Multiculturalismo ou apropriação cultural?

Multiculturalismo

Os loucos às vezes se curam, os imbecis nunca.”,
Oscar Wilde (1854 – 1900): escritor e dramaturgo britânico de origem irlandesa.



O conceito progressista de “apropriação cultural” tem se tornado uma ideia cada vez mais usual. Pesquise no Google, por exemplo, “yoga é apropriação cultural”, e você verá com seus próprios olhos. Mas o que significa apropriação cultural? De acordo com a professora de direito Susan Scafidi, autora de “Who Owns Culture? Appropriation and Authenticity in American Law”, a apropriação cultural consiste em “apropriar-se da propriedade intelectual, do conhecimento tradicional, das expressões culturais ou dos artefatos da cultura de outra pessoa, sem permissão. Isso pode incluir o uso não autorizado da dança, vestimenta, música, linguagem, folclore, culinária, medicina tradicional, símbolos religiosos, dentre outras coisas, de outra cultura. É mais provável de ser prejudicial quando a comunidade de origem é um grupo minoritário que tenha sido oprimido ou explorado de outras formas”.

Ainda que alguém leve a sério essa definição duvidosa, o que configuraria “uso não autorizado”? O policiamento da apropriação cultural rapidamente cai por terra quando aplicado ao comportamento humano real. Um grupo de estudantes do Pitzer College, por exemplo, declarou que os brincos de argola não deveriam ser usados por mulheres brancas. Mas como pode uma cultura reivindicar a determinação do tamanho e forma de joias aceitáveis para serem utilizados pelos indivíduos?

No entanto, os críticos nunca devem supor que as ideias ruins morrerão naturalmente. Em 1991, o Antioch College ganhou fama – e escárnio – nacional ao exigir que cada etapa de um encontro sexual recebesse permissão expressa dos participantes. O protocolo formal substituiu a espontaneidade, e o procedimento substituiu a paixão. O programa de TV Saturday Night Live ridicularizou a faculdade, mostrando universitários cheios de hormônios dando autorizações artificiais. O que já foi material para comédia agora é lei, ao menos na Califórnia e em Nova York. Abriu-se caminho para que os objetivos dos progressistas se tornem decretos convencionais.

“O Multiculturalismo como Religião Política”, escrita por Mathieu Bock-Côté.Em Salem, Massachusetts, o museu Peabody Essex (PEM) oferece um estudo de caso sobre a popularização da apropriação cultural. A apreciação intercultural sustentou o museu por séculos. Como o museu mais antigo da América em operação ininterruptamente, o PEM há muito exibe artefatos exóticos ligados ao comércio marítimo – mas agora seus visitantes devem ler um aviso para se sentirem culpados ao visitarem as exibições do museu. “A apreciação e o intercâmbio culturais são parte vital de qualquer sociedade, mas a apropriação é complicada e está ligada a complexas dinâmicas de poder e histórias de opressão”, diz a mensagem. “A apropriação cultural ocorre quando a ‘apreciação’ se torna roubo, quando o ‘intercâmbio’ é uma via de mão única, ou quando culturas marginalizadas são reduzidas a estereótipos”.

Como nas demais definições de apropriação cultural, a declaração do PEM não oferece quaisquer diretrizes para saber quando “a apreciação se torna roubo” ou quando “o intercâmbio é uma via de mão única”. O melhor que pode oferecer é uma declaração da fundadora do site Jezebel, Anna Holmes: “você não consegue provar a apropriação sempre; mas você normalmente a reconhece quando a vê”.

Nenhuma pessoa bem-intencionada é a favor de que “culturas marginalizadas” sejam “reduzidas a estereótipos”, mas os sentinelas da apropriação cultural enxergam essas ofensas em toda parte, mesmo em ocasiões em que claramente não se pretendia ofender. Vejamos o caso de Keziah Daum, aluna de último ano do Ensino Médio, que vestiu um cheongsam em sua formatura, fazendo disparar uma saraivada de reprovação no Twitter. Daum escolheu o vestido por pensar que ele era bonito e a destacaria naquela noite especial. Mas ativistas repreenderam Daum, que é branca, por vestir uma roupa tradicional chinesa. Seus defensores, incluindo alguns sino-americanos e chineses nativos, argumentaram que sua escolha foi um elogio à cultura chinesa. Os críticos rebateram afirmando eles não eram chineses autênticos, ou que – no caso dos nacionais chineses – não possuíam autoridade social para falar a respeito das minorias americanas. Para os críticos vigilantes de Daum, cada grupo étnico deve permanecer no seu quadrado.

Outro aspecto confuso do enfoque da apropriação cultural é que ele claramente parece colidir com outro imperativo progressista: a necessidade de cultivar a apreciação multicultural. O multiculturalismo tem sido uma causa conhecida entre os progressistas há mais de uma geração, mas hoje a admiração por outras culturas parece vir com um sinal de alerta: olhe, mas não adote, para que você não enfrente acusações de “roubo” ou insensibilidade.

A maioria das pessoas sensatas não tem dificuldade em compreender que adotar um artefato ou prática não desvaloriza a cultura da qual eles se originam. “Você não consegue roubar uma cultura”, observou John McWhorter, linguista da Universidade Columbia. O intercâmbio cultural é enriquecedor, e não empobrecedor, e a imitação permanece, como costumávamos dizer, a mais sincera forma de elogio. Está na hora de os progressistas decidirem entre acolher o multiculturalismo ou o policiamento da “apropriação cultural”. Eles não podem ter as duas coisas ao mesmo tempo.

Escrito por Matthew Stewart. Traduzido por Victor Terra.

Artigo original publicado na revista City Journal, disponível em:
https://www.city-journal.org/cultural-appropriation.


Matt Stewart
Sobre o autor:


Matthew Stewart é professor associado de humanidades e retórica na Universidade de Boston e autor de Modernism and Tradition in Ernest Hemingway’s “In Our Time” (Editora Camden House, 2009).




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